domingo, 20 de novembro de 2011

REDEMOINHO



A minha rua tem tantos acontecimentos que daria para encher um livro! Mas até então só aconteciam fatos normais, de natureza humana: briguinhas, pequenos acidentes, acontecimentos engraçados.

            Na última sexta-feira, porém, foi um fenômeno da natureza: Eram 15:00 h, céu de brigadeiro, vento... tudo era paz e tranquilidade, dia calmo de primavera.Mas de repente, muito de repente, surgiu um redemoinho psicopata que arrancou várias telhas da casa do Sr. Takao e da casa da Sinara! Do nada, num dia de céu azul e sol brilhante.
            A Sinara disse que estava na copa estudando com as amigas, quando de repente ouviu um barulhão, e um verdadeiro tornado entrou pela janela, enrolando a cortina, assobiando, e parando tão abruptamente como começou. Então ela, assustada, saiu, e olhando para o telhado viu as telhas arrancadas e reviradas. Então ficou assustada, e ligou para o trabalho da mãe, que logicamente também se espantou. Alguns vizinhos chegaram a dizer que era coisa de outro mundo. Mas Dona Zefa, em sua sabedoria de quem viveu no sítio e cansou de ver esse fenômeno acontecer na terra tombada ou nos pastos, tranqüilizou a todos e disse que era um fenômeno comum. A Bruna então lembrou que antigamente, quando nossa rua era de terra, era freqüente aparecerem pequenos redemoinhos e até alguns maiores, que divertiam as crianças. Fui pesquisar no Google:
Os redemoinhos, torvelinhos, redemoinhos-de-poeira, pés-de-vento ou diabos de poeira (em inglês: dust devil) são ventos em espiral formados pela convecção do ar, em dias quentes, sem ventos e de muito sol.
Ocorrem quando o solo se aquece em determinado ponto, transferindo esse calor à porção de ar que está parada logo acima dele. Quando atinge uma determinada temperatura, esse ar sofre rápida elevação, subindo em espiral e cria um mini centro de baixa pressão. Devido ao princípio da conservação do momento angular esse redemoinho ganha velocidade e acaba levantando a poeira do solo, fazendo com que um funil de 'sujeira' seja visível. Ele pode apresentar desde alguns centímetros até muitos metros de altura.
Frequentemente esse fenômeno é confundido com um tornado, porém vale salientar que, ao contrário dos tornados, os redemoinhos de poeira somente se formam em dias sem nuvens, sob muito sol e calor e baixa umidade do ar. Além disso, a velocidade dos ventos desse fenômeno raramente ultrapassa os 100 km/h, podendo causar apenas pequenos estragos, tais como destelhamentos leves.
Antigamente, ao se avistar esse fenômeno, as pessoas acreditavam que seria o rastro do caminhar do Saci-pererê ou mesmo que seria odiabo vagando pelos campos. Havia até uma crença de que se alguém entrasse no meio do redemoinho com uma garrafa e uma peneira conseguiria prender o Saci/Diabo. Na verdade o que acontecia é que ao entrar no meio do redemoinho, a pessoa pode interromper a corrente de convecção que alimenta o sistema, e o redemoinho simplesmente "desaparece".


            Legal! Felizmente o estrago foi pouco, maior foi o susto. Mas valeu por um fato interessante e inédito na nossa rua!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

AMIGA



                        Antes disso, na sexta-feira passada, eu cheguei em casa e minha mãe disse que a Lucimara havia ligado. Retornei a ligação, e ganhei a noite! Ela ligou porque disse que estava sentindo saudades de mim, lembrando dos velhos tempos. Engraçado que ela disse o mesmo que eu: que hoje em dia não tem amigas mais, só colegas. Então pensamos: será que não é culpa da velocidade dos tempos em que vivemos? Internet, e-mails, celular... a gente não pára mais para conversar... não, não é isso... interesses?  Deve ser. Você não é rico, não é influente, não chega pela manhã contando sobre as festas ou reuniões sociais em que esteve, então você não é bem quisto. Ou você não chega fazendo palhaçada e brincando como uma idiota, então você é chata. Não sei dizer. Sei que no tempo em que eu e a Lu trabalhávamos juntas, éramos as melhores amigas que se pode imaginar. Íamos embora juntas falando sobre nossa paixão: livros. Eu contava para ela sobre os livros que ler, e ela me contava sobre suas leituras. Íamos juntas à biblioteca e pegávamos muitos livros,  e os discutíamos...
            A Lu lembrou de uma vez em que fomos comprar sorvete n padaria, e voltamos chupando picolé. De repente o dela acabou, ela olhou o palito e exclamou: “olha! Meu picolé está premiado, vale outro picolé!” – eu acabei o meu, e... não é que estava premiado também? Foi uma coincidência daquelas que acontece uma vez em cada... sei lá em cada número de anos. Mas foi muito legal, nós duas voltamos à padaria e ganhamos um novo picolé cada uma, e fomos embora felizes...
            E inventávamos de escrever histórias, e escrevíamos, e mostrávamos nossas histórias uma para a outra, trocávamos idéias... a Lu chegou a publicar uma história, ou a registrar, nem sei direito. A minha está por aí, um calhamaço de folhas escritas à mão. E eram histórias  alegres, engraçadas. A gente até se inspirava em outros amigos... o caso da América, inspirada na Diane.
            Naquele tempo eu era feliz... havia alegria, sonhos, amizades. Hoje não tenho mais amigos, não tenho mais sonhos. Só a realidade. E a realidade é tão dura!



FOTOS
Ontem olhei meus álbuns antigos. E encontrei uma foto minha, que tirei na Prefeitura, com meus amigos. AMIGOS. Não eram colegas de trabalho. Não eram o tipo de pessoas de quem você se despede na sexta feira e só volta a ver na segunda. Eram pessoas que me amavam e que eu amava, pessoas que partilhavam seus segredos comigo e com quem eu partilhava minhas confidências. Eram amigos que se encontravam no fim de semana para um almoço, um café, ouvir música, assistir ao Faustão... e conversar. E a gente não ficava triste com a chegada da segunda feira, porque sabia que iria se reencontrar. E na segunda feira cedinho a gente se reencontrava e já tinha um monte de novidades para conversar, e ríamos, e brincávamos, e  trabalhávamos felizes.
            Antes do Natal, depois do expediente, ao invés de irmos embora a gente cantava músicas de Natal. E se alegrava. E cada um de nós queria que o outro tivesse o Natal mais maravilhoso que pudesse. De coração. Foram os melhores amigos que a vida pôde me dar. Sueli, Lucimara, Márcio, Júnior César, Valter Júnior, Marcelo, Rodrigo, Tieko. Éramos mais que uma equipe, éramos uma família. Como uma família, claro que surgiam algumas bronquinhas, mas que eram facilmente superadas. Brincávamos tanto! Bilhetinhos, desenhos, piadas... e união. Todos gostavam de todos. Foram bons tempos, aqueles.  Pena que tudo passou. Todos mudamos, casamos ou não, descasamos, engordamos, emagrecemos, tivemos filhos, tivemos problemas, tivemos tristezas, nos separamos. Uns foram embora,e nunca mais os vi. O Marcelo veio me visitar na Biblioteca um dia desses, casou, tem filhos, engordou.  O Márcio revi agora, continua o mesmo. Tieko, nunca mais. A Sueli Su-k-ta (Lembra, Su?) continua na Prefeitura. O Rodrigo, também.O Walter Júnior está morando em Ponta Grossa, formou-se, o Márcio disse que está barbudo. A Lucimara é quem eu mais vejo. Mas trabalha numa escola em Paraíso do Norte.  Saudades dos meus amigos!!!!!!!!!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

NOITE DE SÃO JOÃO


Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
- Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.
*
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
- Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo 
Profundamente.
MANUEL BANDEIRA

Nem tudo é fácil



É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste.
É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nada
É difícil valorizar um amor, assim como é fácil perdê-lo para sempre.
É difícil agradecer pelo dia de hoje, assim como é fácil viver mais um dia.
É difícil enxergar o que a vida traz de bom, assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua.
É difícil se convencer de que se é feliz, assim como é fácil achar que sempre falta algo.
É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar.
É difícil colocar-se no lugar de alguém, assim como é fácil olhar para o próprio umbigo.
Se você errou, peça desculpas...
É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado?
Se alguém errou com você, perdoa-o...
É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender?
Se você sente algo, diga...
É difícil se abrir? Mas quem disse que é fácil encontrar
alguém que queira escutar?
Se alguém reclama de você, ouça...
É difícil ouvir certas coisas? Mas quem disse que é fácil ouvir você?
Se alguém te ama, ame-o...
É difícil entregar-se? Mas quem disse que é fácil ser feliz?
Nem tudo é fácil na vida...Mas, com certeza, nada é impossível
Precisamos acreditar, ter fé e lutar
para que não apenas sonhemos, Mas também tornemos todos esses desejos,
realidade!!!



Cecília Meireles

terça-feira, 23 de agosto de 2011

MARINA COLASANTI 2

A Moça Tecelã



Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.

Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.

Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.

Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.

— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.

Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.

MARINA COLASANTI


Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. 
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos 
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor. 

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. 
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. 
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz. 
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão. 

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. 
A tomar café correndo porque está atrasado. 
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem. 
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar. 
A sair do trabalho porque já é noite. 
A cochilar no ônibus porque está cansado. 
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. 

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. 
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos. 
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz, 
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração. 

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. 
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. 
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. 
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. 
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. 

E a ganhar menos do que precisa. 
E a fazer filas para pagar. 
E a pagar mais do que as coisas valem. 
E a saber que cada vez pagará mais. 
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra. 

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes. 
A abrir as revistas e a ver anúncios. 
A ligar a televisão e a ver comerciais. 
A ir ao cinema e engolir publicidade. 
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos. 
A gente se acostuma à poluição. 

As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. 
A luz artificial de ligeiro tremor. 
Ao choque que os olhos levam na luz natural. 
Às bactérias da água potável. 
A contaminação da água do mar. 
A lenta morte dos rios. 

Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, 
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta. 
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. 

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui, 
um ressentimento ali, uma revolta acolá. 
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. 
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. 

Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. 
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo 
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado. 

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. 
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se 
da faca e da baioneta, para poupar o peito. 
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta, 
de tanto acostumar, se perde de si mesma. 

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

UM TEMPORAL


 Houve um dia, há muitos anos... Eu trabalhava na Prefeitura, na Divisão do Patrimônio e Material. Naquela época, este setor funcionava no último andar, bem no cruzamento das ruas Getúlio Vargas e Rua Paraíba. De lá, tinha-se uma visão maravilhosa: ao longe: o verde das pastagens, cortadas pelo ocre das estradinhas de terra, mangueiras imensas fazendo sombra para o gado, que aparecia como pontos brancos e cinzentos na distância. Às vezes, em meio do estresse do trabalho, eu me virava para trás e olhava  aquela imensidão, e até relaxava.
E foi nessa época que aconteceu a seca. Aquelas costumeiras secas de agosto e setembro, com vento, calor, poeira... começou com uns dias sem chuva. Depois as semanas foram passando, e nada de cair um pingo d'água. O pasto foi secando, a grama dos jardins foi morrendo. O pó foi aparecendo, e ficando fino e sempre presente nos móveis. Calor. Mal estar. Dias se sucediam, e nada. A conversa das pessoas passou a girar em torno do clima: “Será que chove”? “Quando será que essa seca termina”? Quem tinha problemas respiratórios começava a passar mal constantemente por causa da baixa umidade do ar. As verduras subiam de preço. No supermercado, as donas de casa reclamavam:
- Viu o preço que está essa alface?
- Um horror! Mas também, com essa seca...
O preço do leite subiu. “Culpa da estiagem, que deixa as vacas sem pasto”. O queijo, as verduras e as frutas também acompanharam a alta do leite. As pessoas olhavam para o céu em busca de um indício de chuva. Nada. Nem uma nuvenzinha. Já se lembrava das secas do nordeste, muito mais intensas, e se imaginava como era difícil viver num lugar assim, atingido por secas anuais. Aqui parecia uma filial do sertão do Crato.
O pó agora tomava tudo: as mesas eram limpas pela manhã, e, uma hora depois, podia-se passar o dedo e sentir o pó. Ao longe, nas paisagens além da janela, nuvens de pó rolavam pelas estradas secas. As plantas do jardim estavam com as folhas cobertas de pó.
Depois de muitos dias, alguns trovões longínquos no entardecer... mas nada de chuva. “As nuvens contornaram”, diziam – “foram chover em outro lugar”. E nada... dali a dias, outra ameaça. E nada. Decepção. Frustração.
Até um dia... eram umas três horas da tarde, aproximadamente. O dia estava especialmente quente. No céu algumas nuvens começaram a aparecer. Veio o vento, furioso, levantando papéis e sacolas plásticas do lixo.  Árvores se agitavam.  E as nuvens foram aumentando. Escureceram, taparam o sol. E o dia se tornou negro. Ao longe trovões começaram a soar, enchendo a alma das pessoas de esperança. Todos olhavam o céu e se enchiam de alegria. “Agora chove!” Começávamos a trabalhar com mais alegria, a toda hora olhando para a janela, para ver se a chuva se aproximava. Nosso chefe, seu Neno, chegou todo feliz: “Dessa vez a chuva vem”! E o céu foi enegrecendo ainda mais.Noite em plena tarde. E os trovões se aproximavam.
De repente, quando olhamos pela janela para a escada principal do prédio, havia uma aglomeração de pessoas! Seu Neno, mais alguns secretários, funcionários, pessoas que por ali passavam... todos ficaram ali, no alto, apreciando a chegada da tempestade. E todos sorriam, admirados da fúria da natureza, satisfeitos com a promessa de chuva. O cheiro de terra molhada já invadia as narinas, sinal de que não muito distante dali a abençoada chuva já chegara. E ouviam-se comentários, risos, exclamações de admiração e espanto a cada trovão. Alegria.
E a chuva veio. Grossos pingos desabaram sobre a cidade, apagando o pó de semanas e levantando um cheiro único de poeira molhada. Cheiro de chuva. Alívio, satisfação, A platéia reunida na escada ficou ali ainda um tempo, trocando considerações sobre a beleza do temporal. Admirando a chuva que nunca mais havia caído. Exultando. E na rua a água corria abundante, formando rios nas sarjetas, enchendo bueiros, lavando tudo. Tirava o pó das folhas, encharcava a grama seca. E inundava a alma das pessoas de esperança. Então aos poucos cada um retornou às suas atribuições, e a platéia se desfez. Mas cada um levava no coração a alegria de uma chuva depois da seca.


terça-feira, 26 de julho de 2011


CANÇÃO DE OUTONO

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...
Cecília Meireles

domingo, 17 de julho de 2011

JANELAS

            Houve um tempo que da minha janela se avistava um abacateiro e um grande pé de hibisco. Quando a planta florescia, suas flores vermelhas espiavam para dentro do quarto. Eu era criança, e nessa época aconteceu de um macaquinho fugir do circo próximo e vir espiar pela janela, quando eu acordava – o que valeu um susto. Depois do abacateiro, um coqueiro em cujas folhas o vento assobiava nas noites de luar. Um caminho de areia branca levava ao portão de madeira. E a rua era de terra, onde às vezes as vacas passeavam sossegadamente, e, onde, nas tardes quentes, eu espiava mulheres passando de sombrinha para irem às compras. Era fantástico.
            Mudamos de casa, e minha próxima janela dava para uma área coberta repleta de samambaias e folhagens variadas.  Via um trecho de nuvens e um caquizeiro, que no outono carregava de enormes frutos vermelho alaranjados. Via a área da nossa vizinha e senhoria, com suas muitas plantas. E as janelas de sua casa, grandes janelas de correr. Era acolhedor.
            Mais uma mudança – e a janela do meu quarto – o primeiro quarto só meu, até então eu dividia o quarto com minha mãe – mostrava a varanda com seu piso de cimento vermelho, um coqueiro anão, uma acácia que se enchia de enormes cachos de flores amarelas e perfumadas, e depois a rua, uma rua que se inclinava numa descida acentuada. Foi nessa casa que meu quarto ganhou o bercinho da minha filha. E foi esse quarto que ouviu seu primeiro chorinho em casa.
            E a sala dessa casa tinha uma janela grande de lado e outra na frente: e a janela de lado, à noite, dava para o lado do Jardim Morumbi, e eu podia ver as luzes distantes das casinhas ao longe. Era poético.
            Outra casa e outra janela: uma janela de vidros lisos que mostrava um pequeno jardim, onde duas roseiras disputavam quem daria a primeira flor, uma cerca de madeira nova, o portão grande, duas sibipirunas gêmeas plantadas diante da casa. Ao longe, a grama do pasto, as folhagens de folhas marrom-avermelhadas mais além. Era bucólico.  E da porta da cozinha, à noite, a Av. Tancredo Neves mostrava suas luzes, e os carros passavam ao longe com os faróis acesos. E eu avistava as luzes da cidade.
            Meu quarto agora tem uma janela de correr que se abre para o fundo do quintal. Da minha cama posso ver o céu, o abacateiro, e, mais adiante, o telhado da casa da Áurea e os coqueiros de seu quintal, que abanam as palmas gentilmente ao sabor da brisa e se agitam loucamente no temporal. No  nosso quintal, as galinhas passeando tranquilamente, os vasos de flor de maio pendendo das enormes mangueiras. Quando se forma um temporal, é dessa direção que vêm as nuvens negras, e eu sempre sei quando vai chover: é quando está escuro pelos lados da Fundação Bradesco. É por essa janela que vejo o sol se por numa mistura de vermelhos e alaranjados, com laivos de lilás. E por essa janela que minha gatinha entra para me visitar. É na beira dessa janela que o Átila põe as patas pela manhã, quando eu acordo e a abro, de pé nas patas traseiras e ganindo de alegria. È a minha janela atual. Há um varal que quase não uso mais, mas que trazia para o quarto o frescor das roupas lavadas e cheirando a amaciante. Há uma estrela que em determinada época do ano me espia entre a copa da mangueira. Ainda o muro, onde Ísis desfila com elegância depois da sua visita diária. É lindo e tocante. E é o meu agora.







quarta-feira, 13 de julho de 2011





A ESTRELA
Ferreira Gullar

Gatinho, meu amigo,
Fazes idéia do que seja uma estrela?

Dizem que todo esse nosso imenso planeta
Coberto de oceanos e montanhas
É menos que um grão de poeira
Se comparado a uma delas.

Estrelas são explosões nucleares em cadeia
Numa sucessão que dura bilhões de anos

O mesmo que a eternidade

Não obstante, Gatinho, confesso
Que pouco me importa
Quanto dura uma estrela

Importa-me quanto duras tu,
Querido amigo,
E esses teus olhos azul-safira
Com que me fitas.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

CHUCHU BELEZA!



E já que falei do jardim e da nossa mal sucedida experiência com horticultura, vou falar de uma experiência bem- sucedida.
            Um belo dia (sempre há um belo dia) ganhei de uma pessoa (de quem  não me lembro agora), alguns chuchus. Não daqueles chuchus verde claros e pálidos que a gente compra nos supermercados, mas uns chuchus verde escuros, grandes, com aquele formato característico de pêra e aquela espécie de “boquinha” chupada e sem dentes que todo chuchu tem.
            Entre eles havia dois que estavam com um belo broto saindo da “boquinha”, e eu decidi plantá-los. Até imaginei que seria inútil,  iria acabar não colhendo nada,  na hipótese de virem a crescer; seriam apenas mais um prato para as formigas e as lesmas, mas resolvi tentar. E os plantei, aos pés da nossa mexeriqueira. E me esqueci deles.
            Alguns dias depois, ao passar pelo local, avisto duas longas hastes verdes e brilhantes de juventude, esticando-se do solo em busca de um lugar  alto para se enroscar. Nem acreditei! Mostrei-os para a Bruna, toda emocionada – ela apenas olhou e disse um “que legal” sem nenhum entusiasmo. Minha mãe teve a mesma reação.  Puxa! Que incentivo para uma futura “chuchucultora”, toda orgulhosa de sua produção!  Tudo bem, pensei – meu chuchuzeiro vai crescer, vai subir , se fortalecer e vai produzir, e  todos irão se admirar.
            Pois eis que um deles morreu. Desanimei, "certamente o outro irá pelo mesmo caminho", pensei. Que pena. Mas mesmo assim continuei regando-o e observando-o diariamente.
            Até que acabei me envolvendo com outras atividades, esquecendo dele: sabia que ele estava lá,  desejava que ele produzisse bons e bonitos chuchus. Então, numa tarde de domingo, Lenon e Brenda vieram à nossa casa. Nessa altura, o tronco do chuchuzeiro estava grosso e forte, de um marrom claro acinzentado, e sua ramagem espalhava-se pela mexeriqueira, subia pelo poste de luz e dirigia-se ao frondoso sete-copas da calçada. (Que por sinal está me enlouquecendo, pois está deixando cair as suas folhas, para minha alegria e dos meus vizinhos).
            Bem, mas nesse domingo o Lenon olhou para cima e disse:
            - Ilca, o seu pé de chuchu está carregado de chuchus!
            Olhei logo, ansiosa. E vislumbrei os primeiros frutos (o chuchu é uma hortaliça-fruto) pendendo das ramas. Ah, foi só o tempo de buscar nossa vara de bambu e derrubar logo uma dúzia de belos frutos. Nossa, eu não cabia em mim de alegria! Parecia que eram uma espécie de filhos, ou netinhos queridos. Mostrei para a Bruna, para a minha mãe; já antevia os chuchus refogadinhos no almoço de segunda-feira. Dei vários para a Brenda levar para casa, o Lenon não quis (Odeia chuchus).
Outro dia colhi um tanto para a Lurdinha, outro para a Andréa. Dali em diante ele não parou de produzir chuchus! E já tem um novo pé brotando, aos pés de outra árvore, esticando para cima suas gavinhas em busca de um apoio, verdes e lindas. Suas hortaliças-frutas já seguiram para serem plantadas no sítio do Seu Paulo, na casa da d. Elza... meu chuchuzeiro vai longe! E, se você quer saber mais sobre o chuchu, aí vai uma curiosidade:
O chuchu (Sechium edule) é uma hortaliça-fruto, ou seja, um vegetal da categoria dos frutos; também é conhecido como machucho, caiota (Açores) ou pimpinela (ilha da Madeira). Existe em abundância na ilha da Madeira, principalmente junto aos cursos de água (ribeiras e nascentes). Em países latinos é conhecido como Chayote, enquanto em países de língua inglesa é conhecido por christophene, vegetable pear, mirliton, choko, starprecianté, citrayota, chow chow (India) ou pear squash.
Apesar de ser uma hortaliça, ou seja, poder ser cultivada na horta caseira, é considerada um fruto, tal como o tomate (devido ao fato de suas sementes estarem dentro, resultado da fecundação do óvulo da flor, envolvidas pela parte comestível).
Sua origem é atribuída à América Central em países como Costa Rica e Panamá. Foi registrada pela primeira vez pelo botânico Patrick Browne em 1756. 
 Segundo alguns historiadores, essa hortaliça-fruto já era cultivada no Caribe à época do descobrimento da América. É uma trepadeira herbácea da família das cucurbitáceas.
Era bem conhecida na antiguidade pelos astecas e tinha grande destaque entre as demais hortaliças cultivadas na época, devido ao seu sabor característico e bastante suave, podendo ser consumido durante o ano todo. De fácil digestão, rica em fibras e pobre em calorias, bom para um regime alimentar.
Na Madeira, é conhecida por pepinela ou pimpinela e faz parte da gastronomia local, sendo normalmente cozida com feijão com casca, batatas e maçarocas de milho para acompanhar pratos de peixe, normalmente caldeiradas.
Destaca-se por ser uma fonte de potássio e fornecer vitaminas A e C. O chuchu é uma Cucurbitácea, tal como o pepino, as abóboras, o melão e a melancia.
Do chuchu nada é desperdiçado: podemos consumir as folhas, brotos e raízes da planta, depois de devidamente lavados. Os brotos refogados são ricos em vitaminas B e C e sais minerais como cálcio, fósforo e ferro.  - http://pt.wikipedia.org/wiki/Chuchu
            Se você não gosta de chuchu, não faz mal. Também não sou lá muito fã. Ou antes, não era; porque os frutos da minha trepadeira herbácea da família das cucurbitáceas eu como com muita satisfação! PS: a  foto acima é da  primeira safra, que fiz questão de registrar!