Houve um tempo que da minha janela se avistava um abacateiro e um grande pé de hibisco. Quando a planta florescia, suas flores vermelhas espiavam para dentro do quarto. Eu era criança, e nessa época aconteceu de um macaquinho fugir do circo próximo e vir espiar pela janela, quando eu acordava – o que valeu um susto. Depois do abacateiro, um coqueiro em cujas folhas o vento assobiava nas noites de luar. Um caminho de areia branca levava ao portão de madeira. E a rua era de terra, onde às vezes as vacas passeavam sossegadamente, e, onde, nas tardes quentes, eu espiava mulheres passando de sombrinha para irem às compras. Era fantástico.
Mudamos de casa, e minha próxima janela dava para uma área coberta repleta de samambaias e folhagens variadas. Via um trecho de nuvens e um caquizeiro, que no outono carregava de enormes frutos vermelho alaranjados. Via a área da nossa vizinha e senhoria, com suas muitas plantas. E as janelas de sua casa, grandes janelas de correr. Era acolhedor.
Mais uma mudança – e a janela do meu quarto – o primeiro quarto só meu, até então eu dividia o quarto com minha mãe – mostrava a varanda com seu piso de cimento vermelho, um coqueiro anão, uma acácia que se enchia de enormes cachos de flores amarelas e perfumadas, e depois a rua, uma rua que se inclinava numa descida acentuada. Foi nessa casa que meu quarto ganhou o bercinho da minha filha. E foi esse quarto que ouviu seu primeiro chorinho em casa.
E a sala dessa casa tinha uma janela grande de lado e outra na frente: e a janela de lado, à noite, dava para o lado do Jardim Morumbi, e eu podia ver as luzes distantes das casinhas ao longe. Era poético.
Outra casa e outra janela: uma janela de vidros lisos que mostrava um pequeno jardim, onde duas roseiras disputavam quem daria a primeira flor, uma cerca de madeira nova, o portão grande, duas sibipirunas gêmeas plantadas diante da casa. Ao longe, a grama do pasto, as folhagens de folhas marrom-avermelhadas mais além. Era bucólico. E da porta da cozinha, à noite, a Av. Tancredo Neves mostrava suas luzes, e os carros passavam ao longe com os faróis acesos. E eu avistava as luzes da cidade.
Meu quarto agora tem uma janela de correr que se abre para o fundo do quintal. Da minha cama posso ver o céu, o abacateiro, e, mais adiante, o telhado da casa da Áurea e os coqueiros de seu quintal, que abanam as palmas gentilmente ao sabor da brisa e se agitam loucamente no temporal. No nosso quintal, as galinhas passeando tranquilamente, os vasos de flor de maio pendendo das enormes mangueiras. Quando se forma um temporal, é dessa direção que vêm as nuvens negras, e eu sempre sei quando vai chover: é quando está escuro pelos lados da Fundação Bradesco. É por essa janela que vejo o sol se por numa mistura de vermelhos e alaranjados, com laivos de lilás. E por essa janela que minha gatinha entra para me visitar. É na beira dessa janela que o Átila põe as patas pela manhã, quando eu acordo e a abro, de pé nas patas traseiras e ganindo de alegria. È a minha janela atual. Há um varal que quase não uso mais, mas que trazia para o quarto o frescor das roupas lavadas e cheirando a amaciante. Há uma estrela que em determinada época do ano me espia entre a copa da mangueira. Ainda o muro, onde Ísis desfila com elegância depois da sua visita diária. É lindo e tocante. E é o meu agora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário