Houve um dia, há muitos anos... Eu trabalhava na Prefeitura, na Divisão do Patrimônio e Material. Naquela época, este setor funcionava no último andar, bem no cruzamento das ruas Getúlio Vargas e Rua Paraíba. De lá, tinha-se uma visão maravilhosa: ao longe: o verde das pastagens, cortadas pelo ocre das estradinhas de terra, mangueiras imensas fazendo sombra para o gado, que aparecia como pontos brancos e cinzentos na distância. Às vezes, em meio do estresse do trabalho, eu me virava para trás e olhava aquela imensidão, e até relaxava.
E foi nessa época que aconteceu a seca. Aquelas costumeiras secas de agosto e setembro, com vento, calor, poeira... começou com uns dias sem chuva. Depois as semanas foram passando, e nada de cair um pingo d'água. O pasto foi secando, a grama dos jardins foi morrendo. O pó foi aparecendo, e ficando fino e sempre presente nos móveis. Calor. Mal estar. Dias se sucediam, e nada. A conversa das pessoas passou a girar em torno do clima: “Será que chove”? “Quando será que essa seca termina”? Quem tinha problemas respiratórios começava a passar mal constantemente por causa da baixa umidade do ar. As verduras subiam de preço. No supermercado, as donas de casa reclamavam:
- Viu o preço que está essa alface?
- Um horror! Mas também, com essa seca...
O preço do leite subiu. “Culpa da estiagem, que deixa as vacas sem pasto”. O queijo, as verduras e as frutas também acompanharam a alta do leite. As pessoas olhavam para o céu em busca de um indício de chuva. Nada. Nem uma nuvenzinha. Já se lembrava das secas do nordeste, muito mais intensas, e se imaginava como era difícil viver num lugar assim, atingido por secas anuais. Aqui parecia uma filial do sertão do Crato.
O pó agora tomava tudo: as mesas eram limpas pela manhã, e, uma hora depois, podia-se passar o dedo e sentir o pó. Ao longe, nas paisagens além da janela, nuvens de pó rolavam pelas estradas secas. As plantas do jardim estavam com as folhas cobertas de pó.
Depois de muitos dias, alguns trovões longínquos no entardecer... mas nada de chuva. “As nuvens contornaram”, diziam – “foram chover em outro lugar”. E nada... dali a dias, outra ameaça. E nada. Decepção. Frustração.
Até um dia... eram umas três horas da tarde, aproximadamente. O dia estava especialmente quente. No céu algumas nuvens começaram a aparecer. Veio o vento, furioso, levantando papéis e sacolas plásticas do lixo. Árvores se agitavam. E as nuvens foram aumentando. Escureceram, taparam o sol. E o dia se tornou negro. Ao longe trovões começaram a soar, enchendo a alma das pessoas de esperança. Todos olhavam o céu e se enchiam de alegria. “Agora chove!” Começávamos a trabalhar com mais alegria, a toda hora olhando para a janela, para ver se a chuva se aproximava. Nosso chefe, seu Neno, chegou todo feliz: “Dessa vez a chuva vem”! E o céu foi enegrecendo ainda mais.Noite em plena tarde. E os trovões se aproximavam.
De repente, quando olhamos pela janela para a escada principal do prédio, havia uma aglomeração de pessoas! Seu Neno, mais alguns secretários, funcionários, pessoas que por ali passavam... todos ficaram ali, no alto, apreciando a chegada da tempestade. E todos sorriam, admirados da fúria da natureza, satisfeitos com a promessa de chuva. O cheiro de terra molhada já invadia as narinas, sinal de que não muito distante dali a abençoada chuva já chegara. E ouviam-se comentários, risos, exclamações de admiração e espanto a cada trovão. Alegria.
E a chuva veio. Grossos pingos desabaram sobre a cidade, apagando o pó de semanas e levantando um cheiro único de poeira molhada. Cheiro de chuva. Alívio, satisfação, A platéia reunida na escada ficou ali ainda um tempo, trocando considerações sobre a beleza do temporal. Admirando a chuva que nunca mais havia caído. Exultando. E na rua a água corria abundante, formando rios nas sarjetas, enchendo bueiros, lavando tudo. Tirava o pó das folhas, encharcava a grama seca. E inundava a alma das pessoas de esperança. Então aos poucos cada um retornou às suas atribuições, e a platéia se desfez. Mas cada um levava no coração a alegria de uma chuva depois da seca.
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