segunda-feira, 25 de abril de 2011


MEMÓRIA (OU A FALTA DELA)

Segundo as enciclopédias, a memória é responsável pela capacidade de adquirir armazenar e consolidar as informações.  É, mas às vezes a nossa memória nos prega umas peças muito das sem graça...
Vinha eu pela rua; havia saído há pouco do trabalho, cansada depois de um dia cheio... o sol se pondo ia dando ao céu uma tonalidade laranja, e a rua estava repleta de  transeuntes, uns fazendo caminhada em seus trajes esportivos, outros indo para o colégio, em sua maioria jovens...  Eis que vem, ao meu encontro, uma pequena família: uma senhora, mais jovem do que eu, uma moça, e um garotinho pedalando alegremente uma bicicleta. Nada mais normal: uma pequena família aproventando a tarde. Mas percebo que a jovem senhora, de cabelos louros presos num rabo de cavalo e uma elegante roupa de caminhada, abre o maior sorriso para mim, como se me conhecesse de longa data. Disfarço e olho para os lados: sem dúvida, é comigo, uma vez que não há ninguém mais por perto. Então a moça se aproxima, e estaca diante de mim:
-Oi, Ilca!! Há quanto tempo! Como você está?
“Bem, raciocino, ela me conhece, até sabe o meu nome. Mas quem é ela?” Observo-a atentamente: pele bronzeada, cabelo bem cuidado, rosto simpático. Brincos delicados e de bom gosto, tênis de marca. A moça ao seu lado sorri também, me cumprimenta. Deve ter uns vinte anos, é bonita e também está muito bem vestida. O garotinho ao seu lado deve ser filho ou irmãozinho, uns três anos de idade, uma criança bem cuidada e de expressão feliz.
- Estou bem, apresso-me em responder – E você?
- Eu estou bem, agora estou bem. Mas perdi o meu marido no ano passado! Ele ficou doente, foi tudo muito rápido. Mas graças a Deus comecei a frequentar uma igreja maravilhosa que me fez entender os desígnios de Deus e aceitá-los.
“Hum, pensei – quantas amigas minhas enviuvaram no ano passado? Não me recordo. Será que ela me conhece do Fórum, ou da Faculdade, ou do CEEBJA?”
- E a sua filha, como está? Deve estar moça, hein? Olhe, esta aqui é a minha – a mais velha. – aponta para a moça sorridente - Já sou avó, este é meu neto!
“Ela conhece minha filha!” penso, revirando os miolos para tentar me lembrar – “Deve ser... da faculdade...”
- Ah! Que gracinha, balbucio meio perdida. Não me lembro! Quem é ela?
- Você está dando aula? Você se formou, não? – quer saber a gentil criatura. Hum, reflito,  é mesmo da faculdade que ela me conhece... deve ser.
- Sim, me formei.  Mas não estou dando aula, explico.
-Ah! Eu me formei, também. Mas não estou trabalhando, diz ela. Decido tentar uma jogada:
- Onde você está morando?, indago. Agora, pelo menos, se ela me der o endereço, talvez eu me lembre...
- No mesmo lugar de sempre! Você precisa aparecer lá qualquer dia, prá gente conversar.
Claro! No mesmo lugar de sempre! Que bonito... Se ao menos eu soubesse onde! Não me lembro, não sei onde ela mora, nem sei seu nome! Que vontade de perguntar, mas e o mico? Uma senhora tão simpática, já pensou ela me olhando abismada porque eu não me lembro quem ela é? Ela, que veio ao meu encontro toda alegre, que sabe meu nome, que conhece minha filha? Não, não posso assumir um deslize desses da minha (péssima) memória.
- Olha, eu já vou indo, a gente vai caminhar um pouco! Tudo de bom para você, dê um abraço na sua mãe e um beijão na sua filha. E vê se aparece em casa, vou te esperar! Num sábado ou noum domingo, quando você quiser! Vamos ter muito o que conversar!
Céus! Ela também conhece a minha mãe!! E eu não sei quem é!!! Maldita memória preguiçosa! Acordem neurônios! E, por Deus, o que teremos para conversar? Fomos colegas de escola? Confidentes? Vizinhas?  Trabalhamos juntas?
Bom, o fato é que ela se despediu acenando alegremente, insistindo para que eu fosse à casa dela. O que até hoje não fiz, por motivos óbvios – ainda não me lembrei quem é. Que me perdoe essa minha amiga, mas fui traída pela memória. Uma pessoa tão simpática deveria ter ficado, no mínimo, registrada em minha memória! Mas que culpa tenho eu se Tico e Teco estavam hibernando? Dizem que peixe faz bem ao cérebro. Vou começar a comer muito peixe!

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